quarta-feira, 21 de setembro de 2011

La piel que habito, Almodóvar

Há vários anos Almodóvar assumiu o raro posto de cineasta autoral, com pleno domínio de sua linguagem narrativa e estética. La piel que habito não escapa à regra, embora seja um filme inquietante, em que as velhas temáticas se encontram com novos problemas. Está lá a destreza narrativa, por exemplo, que permite ao diretor começar o filme no meio da ação, voltar ao passado para depois retornar ao presente, neste caso, o ano futuro de 2012. Garante-se com isso a atenção do espectador, que tem de reconstruir a estória que está sendo contada. Estão lá os velhos atores de sempre, como Marisa Paredes e Antonio Banderas. Está ali a música, que atua como personagem (ela é responsável por certos acontecimentos decisivos no filme) e como fio condutor da narrativa. Está lá o drama familiar, a loucura do amor e de sua perda, as obsessões amorosas, etc. Encontra-se ali, finalmente, a temática recorrente sobre a instabilidade das identidades sexuais e de gênero.
Mas agora acrescenta-se um problema novo: a ciência e o desejo de produzir um corpo à imagem e semelhança de outro corpo, já perdido. E é justamente com a intervenção da ficção científica que o filme assume um ar inquietante, claustrofóbico e violento. Se os filmes anteriores mostravam o gosto de Almodóvar pelo travestismo, agora essa temática é levada até seu extremo mais radical por meio de cirurgias capazes de transformar e reconstruir completamente o corpo de uma pessoa. O tema é atualíssimo e permanecerá conosco por muitos e muitos anos.
Mas enquanto nos filmes anteriores a transformação e a instabilização das relações de gênero e de identidade sexual eram liberadoras, operando como um sopro de ar fresco em meio à monotonia da heterossexualidade normativa, agora o procedimento assume contornos incertos, assustadores. Como habitar uma pele que não me pertence? Como posso viver num corpo que não é meu? Quem sou eu, quando habito um corpo que me foi implantado? Eis as questões que esse filme impactante propõe aos espectadores. Em tempo: esqueçam essa história de primeiro filme de terror de Almodóvar! Mesmo em seus momentos mais sombrios, Almodóvar é Almodóvar e jamais perde a mão.

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