quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Álbum de família, de John Wells, ou o cadáver exposto de certa família norte-americana





Álbum de Família, de John Wells, a princípio não era o tipo de filme que me entusiasmasse. Mesmo sem tê-lo visto, sabia que se tratava de uma ácida crítica à instituição familiar, mas eu realmente me pergunto: quem, descartando-se os 'inocentes e os ingênuos', hoje em dia ainda tem grandes expectativas quanto ao futuro disso que viemos a conhecer pelo nome de 'família'? É claro que as famílias não desaparecerão, mas parece-me que o modelo que conhecemos está em crise franca e talvez insolúvel. E de fato, ao longo do filme a família é impiedosamente desossada e dissecada com terrível perfeição pelo diretor e, sobretudo, por duas atrizes gigantescas em seus papéis, Meryl Streep, sempre excelente, faça o que fizer, e Julia Roberts, talvez em seu melhor e mais exigente papel. Devo dizer que o filme me surpreendeu positivamente, sobretudo pela virulência sem mesuras com que aborda as mazelas daquela família de Oklahoma, que mesmo guardando evidentes traços sulistas, ainda assim possui características que me parecem representativas de certo modelo familiar norte-americano. A princípio, o filme poderia passar a impressão de certo exagero teatral, tanto mais que é adaptação de peça de teatro, e teatro não é cinema. Mas, de todo modo, é mais do que louvável que o assunto seja tratado sem meias palavras ou meias medidas, sem glamour ou final feliz, características não muito usuais no cinema norte-americano de grande público.Ao fim e ao cabo, penso que o filme não é exatamente exagerado, e sim uma caricatura, embora bastante realista, de um modelo de família que assim se compõe: junte um monte de gente e os divida de maneira rigorosa entre os fortes, inteligentes e de língua viperina, por um lado, e os fracos, perdedores e desprovidos de inteligência e poder retórico, por outro; dê a todos eles muito álcool e outras drogas, sobretudo pílulas e tranquilizantes; acrescente a tudo isso grandes doses de protestantismo, ainda que sem qualquer fervor ou fé verdadeira; ou seja, preserve do protestantismo apenas a tendência a incentivar que todos prestem testemunhos públicos, confessem seus pecados e lancem verdades e vitupérios, uns na cara dos outros, custe o que custar e com a máxima maldade retórica (nós, católicos, embora também aprontemos nossas cenas familiares, preferimos a sujeira um pouco mais bem escondida embaixo do tapete): pronto, você reuniu todos os ingredientes para fazer um caldo grosso e espesso, viscoso como aquela família e sua matriarca, encenada de maneira inesquecível por Streep.  






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